A Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB-MG abriu diálogo com povos e comunidades de tradição e religião de matriz africana na Bacia do Paraopeba, atingidas pelo desastre-crime da Vale na bacia do Paraopeba
Na última segunda-feira, 4 de julho, representantes da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG) visitaram um terreiro de candomblé no município de Esmeraldas, acompanhados pela Assessoria Técnica Independente Paraopeba Nacab. A iniciativa abriu nova frente de diálogo em relação aos danos causados pelo desastre-crime da Vale na Bacia do Paraopeba aos Povos e Comunidades de Tradições Religiosas de Matriz Africana (PCTRAMA).
A visita foi na casa de Gleiciane de Souza (Mãe Sytambalejy), líder religiosa do terreiro Nso Sanzala kazemby Kia Mavanju, e contou com a participação da coordenadora do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (Cenarab), Makota Celinha.
“Ficamos tão impressionadas com as vidas que foram perdidas no rompimento da barragem que não nos atentamos aos outros danos causados. E a Comissão de Direito e Liberdade Religiosa quer somar força com vocês nesse trabalho. O que estiver ao nosso alcance faremos. Por isso, é importante entendermos o que já foi e o que vem sendo feito. Queremos trazer mais força para esse trabalho”, declarou a secretária geral da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB, Williana de Morais Pimenta.
A presidente da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB-MG, Isabela Cristine Dario, também destacou a intenção da OAB em se fazer presente no processo de busca pela reparação. “Informar que a OAB está presente neste caso e quer as melhores soluções para a sociedade. Ter essa parte colaborativa, não só com os povos de matriz africana, mas como um todo. Nós viemos participar dessa reunião para tentar ver qual é a situação real e ver como está sendo promovido o diálogo com o Nacab”, planejou.
Ao fim da reunião, Nacab, Cenarab e a comissão da OAB se comprometeram em partilhar informações e esforços, além de programar novos encontros para ampliar o conhecimento sobre a realidade das pessoas atingidas pertencentes ao grupo de PCTRAMA na região.
“Tivemos a oportunidade de contextualizar a natureza dos trabalhos da Assessoria Técnica Independente desenvolvida pelo Nacab na bacia do Paraopeba e dialogar sobre como o racismo religioso, somado ao racismo ambiental, marcam o processo que envolve o rompimento da barragem da mina de Córrego do Feijão e seus efeitos nefastos são sentidos ao longo de toda a calha do Paraopeba. Hoje foi dado o primeiro passo de uma linha de comunicação, que esperamos que seja muito útil e produtiva para a reparação integral”, avaliou o especialista jurídico da ATI Paraopeba Nacab, Fernando Luís Barbosa.
Estudo e parecer sobre povos de terreiro na Região 3
Em 2021, o Nacab, em parceria com o Cenarab, realizou pesquisa na Região 3 do Paraopeba para levantamento de casas, terreiros, quintais e demais pontos de vivência dos Povos e Comunidades de Tradições Religiosas de Matriz Africana (PCTRAMA) afetados pelo crime da Vale em Córrego do Feijão.
Foram identificados mais de 250 pontos de manifestação religiosa de matriz africana. E, a partir dos dados, foi criado um relatório com as principais informações, que tem guiado a ATI no desenvolvimento das ações junto a esses povos e comunidades.
O levantamento escutou pessoas que se sentem afetadas pelo desastre-crime da Vale em diferentes sentidos, como a proibição do uso da água do rio para molhar a horta da casa, mas também danos que extrapolam o alcance dos olhos e colocam em risco a continuidade de manifestações religiosas milenares.
Esse estudo serviu como base para a criação de um parecer técnico já entregue às Instituições de Justiça sobre os danos ao patrimônio cultural imaterial afro-brasileiro desenvolvido pelo advogado Hédio Silva Junior, um dos maiores juristas do país, que possui extensa atuação junto ao Poder Judiciário na defesa de temas como liberdade de crença, patrimônio cultural afro-brasileiro e igualdade racial.
O parecer denominado Proteção constitucional e infraconstitucional do patrimônio cultural imaterial afro-brasileiro vulnerado por crimes ambientais, permite fundamentar juridicamente a necessidade de reparação dos efeitos danosos do rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, sobre tradições, conhecimentos e práticas transmitidas de geração em geração, afetados drasticamente pelo rompimento da barragem.
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Texto e narração: Marcio Martins
Edição: Brígida Alvim e Leonardo Dupin
Fotos: Marcio Martins e Daniel Drumond