Três conferências livres de saúde inter-regionais foram realizadas em 2023 na bacia do Paraopeba, com a aprovação de propostas de reparação que podem se tornar política pública
Doenças de pele, problemas respiratórios, aumento de violência, doenças crônicas e sofrimento mental (ansiedade, depressão, insônia, síndrome do pânico) são alguns dos danos já evidenciados que afetam a saúde das pessoas e comunidades atingidas pelo rompimento da barragem da Vale na bacia do Paraopeba.
Passados mais de quatro anos do crime, muito pouco ou nada foi feito para prevenir, mitigar ou recuperar esses danos. Agora, as pessoas e comunidades estão se organizando, através de Conferências Livres de Saúde municipais e inter-regionais, para formular propostas para a saúde pública nos munícipios atingidos.
Em 2023, foram realizadas três Conferências Livres de Saúde inter-regionais na bacia do rio Paraopeba. Elas debateram a importância de se reivindicar um maior comprometimento com a saúde da população atingida no Acordo Judicial de Reparação e no processo judicial contra a mineradora.
Além disso, vários municípios da bacia também têm realizado sua própria Conferência de Saúde.
O que são as Conferências de Saúde?
As conferências são reuniões que acontecem a cada quatro anos com representação de usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), trabalhadores e gestores da Saúde para avaliar a situação de saúde e propor estratégias de formulação e reformulação das políticas de saúde.
Saúde e reparação
Das três conferências realizadas este ano, duas delas foram organizadas pela Rede de Atingidos da Região 3 em conjunto com o movimento Paraopeba Participa, com o apoio da ATI Paraopeba Nacab.
A primeira aconteceu em Pará de Minas, nos dias 11 e 12 de fevereiro, como parte da Feira Cultural da Reparação. Ela foi acompanhada por representantes do Conselho Estadual de Saúde de Minas Gerais e do Conselho Municipal de Saúde de Pará de Minas. Assista no vídeo abaixo como foi o espaço.
A segunda conferência inter-regional da bacia do Paraopeba ocorreu de forma online nos dias 23 e 24 de março e reuniu atingidos de toda a bacia do Paraopeba, com o objetivo de elaborar propostas para o fortalecimento de ações e políticas públicas voltadas para a saúde das pessoas prejudicadas pelo desastre-crime da mineradora Vale.
“Já tem três anos que estamos olhando para o acordo de reparação coletiva e nos perguntando: qual é a proposta para garantir o direito à saúde das pessoas atingidas? Vemos nas conferências que as pessoas apontam que estão bebendo água contaminada, que os exames de sangue trazem que pessoas tem metal pesado no corpo, e uma desassistência que acomete a população atingida da bacia do Paraopeba. As conferências são o momento de pensar o planejamento de saúde para os próximos quatro anos, no âmbito estadual e federal. Então é muito importante dar visibilidade para as causas das pessoas atingidas e pensar as políticas públicas”, afirma Especialista de Saúde Coletiva e Epidemiologia do Nacab, Gabriela Reis.
Assista a transmissão na íntegra da conferência online no canal do Paraopeba Participa:
A terceira conferência foi realizada pelo Movimento do Atingidos por Barragens (MAB) no dia 1º de abril, no município de Betim. A conferência teve como metodologia o compartilhamento de vivências das pessoas atingidas desde o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. Uma proposta levantada ali foi uma articulação para que o Sistema Único de Saúde (SUS) receba demandas específicas dos atingidos.
“Eu queria parabenizar a todos os agentes envolvidos nessas conferências livres que tiverem a sensibilidade permitir que elas fossem organizadas e tivessem a ampla participação de todos os atingidos num momento tão crucial onde discutimos as políticas públicas da saúde para o SUS. Foi um momento muito bom onde tivemos uma boa integração e interação entre todas as regiões (da bacia do rio Paraopeba) e pudemos pautar, discutir e fazermos encaminhamentos e propostas que temos certeza de que, se atendidas, irão trazer um alento, um pouco mais de tranquilidade e até mesmo a esperança de que dias melhores virão para nós e para os nossos familiares”, afirmou Abdalah Nacif, agricultor atingido da comunidade de Beira Córrego, no município de Fortuna de Minas.
Próximos passos
As Conferências de saúde municipais e regionais são etapas preparatórias, pois elegem as propostas que serão levadas para as conferências estaduais e nacional, assim como as pessoas que irão participar com voz e voto nessas conferências, que são chamados de delegados. Se forem aprovadas, essas propostas se tornam políticas públicas.
Entre as propostas que que foram enviadas para a Conferência Estadual de Saúde, que acontecerá entre os dias 29 e 31 de maio, estão:
- Garantia 100% de cobertura de Atenção Básica nas comunidades expostas as repercussões do desastre-crime;
- Formação dos trabalhadores que atendem essa população;
- Fortalecimento das políticas públicas de atenção psicossocial, assistência farmacêutica, vigilância em saúde e políticas de proteção social.
Também foram debatidos temas como direito humano à água, acesso à água em quantidade, qualidade e regularidade suficientes para atendimento às necessidades básicas, além de políticas de saúde focadas nas Populações e Comunidades Tradicionais (PCTs). Foram propostas ainda a criação de uma Política Nacional de Saúde das Pessoas Atingidas por Mineração e a constituição, na organização da Secretaria de Saúde do Estado de Minas Gerais, da Macrorregião da Bacia do Paraopeba.
Os atingidos e atingidas esperam ainda que as discussões realizadas nas Conferências possam subsidiar as escolhas das comunidades para o processo de Reparação Integral.
Texto: Leonardo Dupin
Edição: Raul Gondim
Fotos: Grax Medina, Valmir Macêdo (Aedas)