“É como se tivesse acabado com metade da vida da gente.” Esse é o sentimento do pescador Sebastião Menezes de Souza, morador da comunidade de Cachoeirinha, em Esmeraldas, e comum a milhares de outras pessoas que ficaram sem acesso ao rio Paraopeba, desde o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, em janeiro de 2019. Isso porque a tradição da pesca é marcante nos modos de vida de diversas comunidades no entorno da bacia, além de outros aspectos de ligação com o rio, como lazer, captação de água para consumo e irrigação.
Para identificar e compreender as especificidades das diferentes vítimas do desastre-crime que afetou a vida das comunidades do entorno da Bacia, o Nacab está realizando um estudo de caracterização das comunidades e coletivos tradicionais da região 3 do Paraopeba, em parceria com a Confluência, empresa especializada em estudos socioantropológicos. No último mês, as equipes circularam pelo território abordando coletivos e pessoas indicadas pelo Nacab, que apresentam traços de povos tradicionais.
“Esse trabalho é importante porque são coletivos e comunidades que têm relações profundas com seus territórios e com o rio, mas que, na maioria das vezes, são invisibilizadas pelo poder público e pelas empresas que impactam suas regiões”, explica a pesquisadora da Confluência, Juliana Campos.
Percorrendo as comunidades de Cachoeirinha e São José, no município de Esmeraldas, a equipe de pesquisadoras pôde dialogar com pescadores e pescadoras artesanais, além de benzedeiros, raizeiros e, dentre as manifestações culturais, guarda de reinado e folia de reis.
Já na comunidade de Taquaras, ainda no município de Esmeraldas, foi possível caracterizar uma família de origem cigana. “Nossa expectativa é que o trabalho ajude na visibilização e valorização dessas práticas e coletivos, assim como no reconhecimento dessas famílias que, até o momento, não foram reconhecidas como atingidas, buscando uma reparação justa e integral por todos os danos causados pelo rompimento”, destaca Sabrina D’almeida, que também faz parte da equipe de pesquisadoras.
Histórias de luta e resistência
No desenvolvimento da pesquisa em Paraopeba, integrantes da comissão do Shopping da Minhoca participaram de uma roda de conversa na Floresta Nacional de Paraopeba para contar sobre a história, a cultura e a tradicionalidade do local e das pessoas que vivem e trabalham às margens da BR-040, em Caetanópolis-MG.
Barraqueiros e fornecedores de itens e iscas para a pesca falaram sobre luta e resistência, como na época da duplicação da BR-040, iniciada em 2007; e no enfrentamento ao preconceito em relação a suas atividades comerciais. “As lembranças são de que foi complicado no início, a gente estava em um lugar e foi obrigado a sair”, recordou o comerciante Messias Tiago.
Maria Aparecida Lenoir, que também trabalha no comércio de iscas, relembra o passado com orgulho e acredita que o Shopping da Minhoca ainda tem muito futuro pela frente. “Todo mundo sobreviveu foi com minhoca. Não tinha serviço na época, muita gente não sabia ler, não tinha estudo, mas até hoje tem muita gente que vive da minhoca – e acho que vai continuar, essa história não vai acabar, vai passando de uma pessoa pra outra”, conta.
Realizado em julho, o encontro integra esta pesquisa para colher informações e identificar os danos imateriais provocados pelo rompimento da barragem, na história e vida das comunidades tradicionais. O diagnóstico gerado com a pesquisa vai para a matriz de danos, construída pela Assessoria Técnica Independente do Nacab, que tem objetivo de listar os danos e auxiliar nos cálculos das indenizações individuais.
Grupos e comunidades tradicionais possuem legislações diferenciadas, que visam proteger a história dos seus ofícios tradicionais e expressões culturais, considerados patrimônios imateriais brasileiros.