Aedas, Nacab e Instituto Guaicuy seguem lado a lado com as quase 200 mil pessoas de 26 municípios que tiveram suas vidas afetadas pelo rompimento nos últimos 1.095 dias
Três anos se passaram desde que a barragem da Vale em Brumadinho se rompeu, provocando 272 mortes e lançando cerca de 13 milhões de metros cúbicos de lama no rio Paraopeba.
Nós, as Assessorias Técnicas Independentes/ATIs (Aedas, Nacab e Instituto Guaicuy) eleitas pelas comunidades, seguimos lado a lado com as pessoas atingidas pelo desastre e nos manifestamos em apoio e solidariedade às quase 200 mil pessoas de 26 municípios que tiveram suas vidas afetadas pelo rompimento nos últimos 1.095 dias. A maioria delas segue com restrições e com medo de usar a água do rio Paraopeba e do lago de Três Marias.
Desde o rompimento da barragem, as comunidades afetadas têm se organizado de diversas formas para lutar por seus direitos e tentar efetivar a participação informada de todas e todos no processo de reparação integral.
Levantamento de danos
Nesse sentido, as Assessorias Técnicas Independentes têm levantado informações técnicas sobre os prejuízos que as pessoas sofreram e seguem sofrendo por meio de estudos diversos, como os diagnósticos que dão conta das condições de saúde das pessoas atingidas e as análises ambientais (água, solos, animais, etc), que investigam os danos aos territórios. Além disso, as ATIs buscam levantar os danos individuais e aqueles observados nas atividades produtivas das moradoras e moradores das regiões prejudicadas, como as cadeias da agropecuária, da pesca, do turismo e do lazer.
Também está sendo realizado o levantamento de danos a grupos sociais específicos, tais como os Povos e Comunidades Tradicionais – PCTs, grupos vulneráveis, juventudes, população idosa, dentre outros.
A partir dos dados, as Assessorias Técnicas Independentes também elaboram relatórios e notas técnicas para a Justiça e o processo coletivo; participam das perícias, da organização dos anexos do acordo assinado entre Vale e o Poder Público, em fevereiro de 2021, e de outras frentes de trabalho que visam a compreensão das pessoas para essa luta coletiva e a busca de direitos.
Além dos estudos técnicos, o levantamento de danos vem ocorrendo, por meio de espaços coletivos de escuta das pessoas afetadas, desde 2020, com o início das atividades das Assessorias Técnicas Independentes junto às comunidades. Rodas de conversa, reuniões de núcleos comunitários, acolhimentos individuais em saúde e psicossociais, visitas técnicas e de reconhecimento de território são algumas das metodologias utilizadas para dimensionar os prejuízos que o desastre causou na vida das pessoas.
Também são realizados constantemente encontros de formação e qualificação das informações levantadas junto às pessoas atingidas sobre temas diversos, como a Matriz de Danos que vem sendo construída coletivamente. No entanto, apesar de toda a mobilização, sua validação ainda não foi garantida e o recebimento das indenizações individuais ainda segue em disputa na Justiça. E, mesmo com todos os desafios, as comunidades seguem articuladas e se fazendo ouvir.
Parcerias e conquistas
Ao longo dos últimos anos, a integração entre as comunidades atingidas e a parceria com as ATIs também resultou em conquistas que devem ser celebradas.
Lado a lado com as comunidades construímos os planos de trabalho, debatemos os marcos lógicos que guiam a nossa caminhada conjunta e temos superado dificuldades, como a pandemia, a falta de acesso à internet nos territórios afetados e a dificuldade de participação em atividades remotas e presenciais, dentre outros.
Após muita luta, as pessoas da área 5 (municípios de Abaeté, Biquinhas, Felixlândia, Martinho Campos, Morada Nova de Minas, Paineiras, São Gonçalo do Abaeté e Três Marias), além das comunidades de Pontinha e de Shopping da Minhoca (na área 3) passaram a ser reconhecidas como atingidas, mesmo não tendo recebido ainda o Pagamento Emergencial, agora intitulado Programa de Transferência de Renda/PTR. A situação foi denunciada pelo Instituto Guaicuy diversas vezes, por meio de ofícios encaminhados às Instituições de Justiça (Defensoria Pública, Ministério Público Estadual e Ministério Público Federal).
Também realizamos em conjunto consultas populares com a presença de milhares de pessoas atingidas, como foi o caso das que trataram sobre os critérios de participação no Programa de Transferência de Renda/PTR e sobre os anexos do acordo assinado entre Vale e o Poder Público – Anexos 1.1 (Projetos de demandas das comunidades), 1.2 (Programa de Transferência de Renda/PTR), 1.3 e 1.4 (Projetos para a Bacia do Paraopeba).
Juntos, conquistamos a prorrogação do Pagamento Emergencial e depois a retirada da Vale da gestão do programa, que agora é gerido pela Fundação Getúlio Vargas/FGV.
Visando dar suporte à participação informada das comunidades, solicitamos e ajudamos a organizar reuniões ampliadas e transmissões ao vivo diversas com a presença das Instituições de Justiça, do Estado de MG e da Coordenação e Acompanhamento Metodológico e Finalístico (CAMF/PUC Minas). Divulgamos informações sobre todas as audiências que tivemos acesso e fizemos coro às reivindicações das pessoas atingidas por participação. E é justamente a organização das comunidades que tem conseguido ajustar os rumos do processo de reparação.
Organização popular: manifestos e reivindicações das pessoas atingidas
Um importante marco da articulação das comunidades foi a construção de um manifesto conjunto das cinco regiões da Bacia do rio Paraopeba e do Lago de Três Marias. O “Manifesto pela participação das pessoas atingidas na discussão do acordo judicial entre Vale S.A, Estado de MG e Instituições de Justiça”, construído pelas comunidades, foi entregue em dezembro de 2020 para a Defensoria Pública Estadual, Ministério Público Estadual e Ministério Público Federal e também para o Governo de Minas e a sociedade em geral.
Esse manifesto (que pode ser lido aqui) lista uma série de reivindicações das comissões de pessoas atingidas pelo rompimento, especialmente com relação ao acordo que estava para ser assinado entre a Vale, o Governo de Minas e as Instituições de Justiça mencionadas acima. Ele foi endossado pelas Assessorias Técnicas Independentes e pela CAMF/PUC Minas e, após reivindicações, foi incluído no processo coletivo.
O documento aponta duas premissas que seguem centrais e que queremos reforçar: participação como primeira condição e transparência como pressuposto.
Mesmo com toda a pressão do manifesto e das comunidades, o acordo foi assinado em fevereiro de 2021 em negociações sigilosas, a pedido da mineradora, o que foi acatado pela Justiça. Desde então, as Assessorias Técnicas Independentes, CAMF e as pessoas atingidas têm buscado formas de contemplar as demandas mais urgentes e seguem reivindicando a centralidade da participação.
Como continuidade do processo de articulação entre as comunidades, em dezembro de 2021, foi realizado o Primeiro Encontro de Atingidos e Atingidas da Bacia do Paraopeba e Lago de Três Marias, organizado por movimentos populares (Movimento dos Atingidos por Barragens/MAB, Movimento Pela Soberania Popular na Mineração/MAM, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra/MST e Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário/Renser), e contou com a participação das ATIs e de diversas lideranças de toda a bacia do rio Paraopeba.
Um dos frutos do encontro foi a construção de princípios para a elaboração de um plano popular, com destaque para três pontos: participação, transparência e celeridade na reparação.
Junto a esse movimento, defendemos que é essencial que as autoridades garantam a fiscalização das barragens que estão em atividade em Minas. Reforçamos as demandas contidas no “Manifesto dos 3 anos do Desastre Crime da Vale”, elaborado pelo coletivo Paraopeba Participa (que pode ser lido aqui), e apoiamos as reivindicações das pessoas atingidas para que haja:
- Participação nos Anexos 1.1 (Projetos de demandas das comunidades), 1.2 (Programa de Transferência de Renda/PTR), 1.3 e 1.4 (Projetos para a Bacia do Paraopeba) do Acordo;
- Agilidade nos processos e garantia da melhoria da condição de vida nos territórios prejudicados;
- Transparência e proximidade do Poder Público, órgãos públicos estaduais e demais instituições públicas das comunidades atingidas;
- Promoção de cuidados no âmbito da saúde física e mental das populações afetadas e que não haja discriminação e revitimização das pessoas atingidas;
- Cumprimento das medidas emergenciais definidas pela Justiça para todas as pessoas atingidas, inclusive aquelas da região 5 (fornecimento de água para consumo humano e animal, ração, silagem, etc) e do Programa de Transferência de Renda/PTR, com a efetivação dos desbloqueios de pessoas que recebiam o Pagamento Emergencial e a inclusão no programa das pessoas que têm direito ao auxílio, mas ainda não receberam;
- Garantia da utilização da Matriz de Danos que está sendo construída, bem como o direito à indenização individual justa, sem prescrição e sem exigência de critérios excludentes e restritivos.
*Os 26 municípios atingidos são: Abaeté, Betim, Biquinhas, Brumadinho, Caetanópolis, Curvelo, Esmeraldas, Felixlândia, Florestal, Fortuna de Minas, Igarapé, Juatuba, Maravilhas, Mário Campos, Mateus Leme, Morada Novas de Minas, Paineiras, Papagaios, Pará de Minas, Paraopeba, Pequi, Pompéu, São Gonçalo do Abaeté, São Joaquim de Bicas, São José da Varginha e Três Marias.