Juiz apontou a necessidade de construção de uma matriz de danos colaborativa nessa fase do processo da bacia do Paraopeba
Aconteceu na tarde de ontem, 02 de maio, no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, a primeira audiência judicial para tratar da liquidação dos danos individuais causados pela Vale às pessoas atingidas pelo rompimento das barragens da Mina do Córrego do Feijão.
A sessão foi presidida pelo juiz responsável pelo caso, Murilo Silvio de Abreu, e contou com a participação de representantes das Instituições de Justiça (Ministério Público Estadual – MPMG, Defensoria Pública Estadual – DPMG e Ministério Público Federal – MPF) e da própria Vale. Também compareceram à audiência o perito do juízo – Comitê Técnico-Científico da Universidade Federal de Minas Gerais (CTC-UFMG) – e representantes das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs), além de pessoas atingidas das cinco regiões da bacia do rio Paraopeba e da represa de Três Marias.
Como foi a audiência
Na abertura, o juiz informou que o objetivo do encontro era o de permitir que as partes pudessem apresentar suas alegações iniciais a respeito desta nova fase do processo, a liquidação de sentença.
O magistrado ressaltou a importância da transparência ao longo de todo o processo judicial e destacou que, sobretudo nos dias de hoje, o “juiz não pode mais ficar enclausurado em uma torre de marfim”. Por isso, ele pretende que, durante a fase de liquidação, seja construída uma matriz de danos colaborativa e que, como tal, conte com a efetiva participação das partes envolvidas no caso.
O juiz ressaltou, também, a importância da participação informada, por meio da atuação das ATIs, que terão voz em audiências futuras, e da presença de representantes das pessoas atingidas.
Ao final, o magistrado concedeu o prazo de dez dias úteis para que as Instituições de Justiça se manifestem acerca das categorias de danos contidas no relatório da Chamada 3, que é parte da pesquisa pericial executada pela UFMG, e sobre outros danos eventualmente não identificados por essa pesquisa.
Esta chamada diz respeito à caracterização do território atingido e apresenta um conjunto significativo de 26 categorias de danos.
Em seguida, a Vale terá igual prazo para apresentar suas considerações. Ao final, o processo deverá voltar para que o juiz dê os encaminhamentos que considerar pertinentes.
Com se posicionou o Ministério Público
Na sequência, foram ouvidos(as) os(as) representantes das partes e da UFMG. A promotora Shirley Machado, do MPMG, enfatizou que os casos de rompimento de barragens geram repercussões sociais e coletivas de grandes proporções. Para a ela, a complexidade do caso da bacia do Paraopeba demanda a realização de uma liquidação de danos individuais que seja colaborativa e que respeite todo o conjunto de leis, tanto internacionais quanto nacionais, que tratam da proteção das pessoas atingidas aos desastres.
A este respeito, reforçou o significado e a importância da Política Estadual dos Atingidos por Barragens – PEAB (Lei Estadual nº 23.795/2021) e da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens – PNAB (Lei Federal nº 14.755/2023).
Ainda pelo MPMG, o promotor Davi Reis afirmou que a discussão da liquidação tem como principal objetivo a definição de um valor a ser pago a cada uma das pessoas atingidas ou aos seus herdeiros.
Para tanto, ele entende que é necessário o cumprimento de três etapas durante a fase de liquidação: a primeira, na qual se deve determinar as categorias de danos e de grupos de pessoas atingidas, bem como os critérios de pertencimento a cada um desses grupos; a segunda, que diz respeito aos valores dos danos, considerando a profundidade e a intensidade de cada um deles, bem como eventuais fatores de agravamento (como é o caso de especificidades relacionadas à idade e à vulnerabilidade econômica); e a terceira, que tem por finalidade a definição das formas pelas quais as pessoas podem comprovar que pertencem aos grupos de atingimento.
Como se posicionou a Defensoria Pública
Pela Defensoria Pública de Minas Gerais, a defensora Carolina Morishita iniciou sua exposição lembrando do histórico deste processo e a importância das negociações e de todas as saídas coletivas que foram construídas até aqui. Para ela, é o momento de se ter foco nos direitos individuais homogêneos, os quais não foram negociados no âmbito do Acordo Judicial de Reparação.
Na percepção de Morishita, a proposta deste momento é construir uma matriz de danos a partir do contraditório, trabalho que envolve uma atuação de ambas as partes (autores e ré), bem como da perita e do próprio juiz. Além disso, entende que é preciso estabelecer, a partir do marco da PNAB, mecanismos para que as pessoas atingidas participem ativamente dessa fase do processo judicial.
O que alega a Vale
A Vale defendeu que não é necessária uma fase específica de liquidação coletiva da sentença, uma vez que o Termo de Compromisso celebrado com a Defensoria Pública, em abril de 2019, constituiu um caminho suficiente para a definição das indenizações individuais. A mineradora sustenta que o Acordo Judicial de Reparação confirmou a validade deste Termo e que, como consequência, o documento deve ser observado obrigatoriamente para fins que envolvem os danos individuais. Em outros termos, a empresa considera que não é apropriado construir outro caminho para a definição das indenizações individuais, haja vista que a saída contida no Termo de Compromisso seria, por si só, suficiente.
O que disse a perícia do juízo
Os professores da UFMG também tiveram a oportunidade para apresentarem suas manifestações. Em linhas gerais, sustentaram que ainda há pesquisas em andamento e que, mesmo em conjunto, elas não são suficientes para a definição de todos os elementos que envolvem a fase de liquidação de sentença. Lembraram da importância da Chamada 3, principalmente porque diz respeito a uma pesquisa de caracterização do território atingido e que, apesar de algumas limitações, apresenta um conjunto significativo de 26 categorias de danos. Por fim, realçaram a necessidade de se avançar nas pesquisas, sobretudo naquilo que envolve a definição de valores para cada um dos danos e dos seus meios de comprovação.
Texto: Jurídico Nacab
Fotos: Marcos Oliveira