O Anexo 1.3 do Acordo de Reparação tornou a Vale responsável por financiar, orçar e executar R$ 2,5 bilhões em projetos de reparação socioeconômica para o fortalecimento de políticas públicas, em 25 cidades da bacia do Paraopeba e região do Lago de Três Marias, sendo essa uma obrigação de fazer da mineradora.
No entanto, após reinvindicações das prefeituras, as Instituições de Justiça peticionaram um fluxo para aprovação de conversões, ou seja, a Vale deixaria de ter obrigação de fazer, passando a ter obrigação de pagar. É importante ressaltar que o Acordo Judicial prevê essa possibilidade.
O Juiz acatou o fluxo proposto pelas Instituições de Justiça, o que fez com que deixasse de ser necessária decisão judicial para cada conversão. Assim, a partir de agosto de 2023 a conversão se tornou uma realidade em quase todos os municípios atingidos.
Segundo o site do Comitê Pró-Brumadinho, das 115 obras do Anexo 1.3 em execução, mais da metade (59 obras) passaram da modalidade de obrigação de fazer para a obrigação de pagar.
Após as conversões, as prefeituras da Região 3 receberam, até o momento, o valor de R$ 449.311.875,01 (com atualização de valores do IPCA), somente para execução de obras do Anexo 1.3. Em 2022, a soma das receitas dos 10 municípios da região, segundo o Meu Município, portal de finanças públicas municipais, e que usa como base o IBGE, é de R$ 862.231.000. Ou seja, as conversões renderam às prefeituras mais da metade do que elas arrecadam durante um ano.
Tal volume de recursos, além de trazer melhorias nos serviços públicos (esse é o objetivo do Anexo 1.3), acabou por impactar de forma significativa no resultado das eleições municipais em outubro.
Dos 13 candidatos à reeleição nos municípios que receberam obra do Anexo 1.3, todos foram reeleitos. A taxa de 100% de reeleição supera a do estado de Minas Gerais (82,9%) e do Brasil (82%).
Embora não haja irregularidade na prática, é certo que as atuais prefeituras tiraram vantagem do fato de terem sido elas a negociar as conversões de projetos do Anexo 1.3 com as IJ’s e com o Comitê Pró-Brumadinho. Alguns programas de governo de candidatos à reeleição chegaram a citar nominalmente o “dinheiro da Vale” em suas propostas, seja para construir ou reformar postos de saúde, seja para obras viárias.
Vantagens no processo de conversões, quem sai ganhando?
Para a extrativista Marilei Aparecida Alves, atingida do Shopping da Minhoca, em Caetanópolis, a avaliação é de que os prefeitos aproveitaram a conversão para criar uma narrativa favorável à eleição. “Usaram as obras, que eram obrigação de fazer da Vale, para poder se reeleger. Na próxima eleição os mesmos que estão lá irão ganhar de novo porque eles vão estar executando as obras que ficaram pendentes e fazer a comunidade acreditar que foram eles que fizeram. Não irão falar porque fizeram e nem de onde veio o dinheiro. Eles vão mostrar que eles fizeram, mas não vão mostrar porque fizeram”, afirma.
Nos sites das prefeituras, as notícias não se referem às obras de reparação do Anexo 1.3 do acordo, reforçando o que Marilei pontua sobre a capitalização da narrativa para privilegiar pleitos políticos.
Marilei também aponta que a qualidade das obras é algo que fica a desejar quando passa para a responsabilidade da prefeitura. É o caso da obra “Canalização do Córrego do Beco – Av. Sanitária” em Paraopeba, que nas primeiras chuvas ruiu parte do canal e o capeamento já apresenta danificações.
Luciano Marcos Silva, gerente de reparação na ATI, também reflete sobre as vantagens para as prefeituras. “Se por um lado permitiu aos municípios o total controle e visibilidade das obras com a injeção de recursos extras ao orçamento municipal, por outro possibilitou grande visibilidade em projetos estratégicos como asfaltamento, iluminação, reformas de espaços públicos, entre outros de grande impacto no âmbito local. Todavia, grande parte sem uma explicação sobre a origem dos recursos”, avalia.
Além disso, as conversões criaram um cenário confortável não apenas para as prefeituras, mas também para a empresa ré, a Vale.
Abaixo, trechos dos planos de governo de candidatos à reeleição na bacia do Paraopeba: Juninho do Waguinho (Florestal) e Joãozinho Procópio (Caetanópolis) citam “recurso” e “indenização” da Vale em obras na área de saúde. Todos os 13 candidatos à reeleição na bacia do Paraopeba foram reeleitos em 2024.
Texto: Sarah Fontenelle Santos
Edição: Fabiano Azevedo