Dois inquéritos civis do Ministério Público de Minas Gerais investigam denúncias de famílias reassentadas pela Anglo American. O primeiro (nº 0175.22.000186-1), de março de 2023, apura denúncias das famílias atingidas sobre a contaminação de recursos hídricos no reassentamento Piraquara, em Conceição do Mato Dentro. O segundo inquérito (nº 0175.23.000119-0), aberto em setembro de 2023 após recebimento de denúncia pelas famílias atingidas, apura ilegalidades no reassentamento Simão Lavrinha, em Congonhas do Norte, como problemas relativos à infraestrutura, à falta de documentação dos imóveis, ao abastecimento de água e à reestruturação produtiva, entre outros.
Um diálogo para esclarecimentos e conciliação foi marcado pela Promotoria de Conceição do Mato Dento, para o último dia 11 de outubro. A mineradora Anglo American não compareceu e fez pedido de adiamento da reunião. Apesar de não dar continuidade à tentativa de conciliação, o encontro foi mantido entre as pessoas atingidas e o promotor Caio Dezontini.
Participaram pessoas reassentadas em Simão Lavrinha, Fazenda Piraquara, Jardim Bouganville e outras áreas de Conceição do Mato Dentro. Elas contaram com o apoio de representantes de outras comunidades atingidas pelo projeto Minas-Rio e a Assessoria Técnica Independente – ATI 39 Nacab. Estavam presentes também o prefeito Fabrício Aparecido Otoni e o procurador Samuel Rodrigues, de Congonhas do Norte; o procurador Filipe Gaeta e a vereadora Dayse Picão, de Conceição do Mato Dentro.
Durante a reunião, foram reforçadas as denúncias de situações vividas nos reassentamentos, como: a falta de água para afazeres domésticos em Simão Lavrinha; dúvidas sobre a construção da Estação de Tratamento de Água (ETA) em Piraquara; graves danos psicológicos sofridos por reassentados no bairro Jardim Bougainville; e, ainda, a pressão por negociação por meio do Programa de Negociação Opcional (PNO) da empresa, alegando que se encerra em janeiro de 2024.
Envolvimento dos municípios
Presente à reunião, o prefeito de Congonhas do Norte, Fabrício Aparecido Otoni, afirmou não ter conhecimento sobre a forma de abastecimento de água do reassentamento Simão Lavrinha e que a empresa não protocolou nenhum projeto na Prefeitura. “Faltou este cuidado da Anglo. Quem vai fazer a manutenção destes poços? O reassentamento fica a 15 quilômetros da área urbana. Temos dificuldades de ordem técnica e financeira. A Prefeitura furou um poço artesiano na sede em 2021 e, pela falta do transformador, ficou pronto somente agora”, detalhou.
Já o procurador de Conceição do Mato Dentro, Filipe Gaeta, relatou que só teve conhecimento dos poços artesianos do reassentamento Fazenda Piraquara ao ser informado sobre contaminação de suas águas. “Já passou da hora de os municípios serem envolvidos no processo dos reassentamentos. Quando é na área rural, o município não é responsável pelo licenciamento, mas no futuro a melhoria das vias e outros serviços acabam ficando sob responsabilidade da Prefeitura. E a Prefeitura trabalha com planejamento, por isso deve ser consultada antes dos problemas chegarem”, pontuou.
Em breve, os dois municípios pretendem firmar Termos de Compromisso com a empresa e o Ministério Público. Como a Anglo não enviou representante à reunião, o Ministério Público agendará nova data para os acordos. Entre as providências, a Anglo American deverá se responsabilizar pelo fornecimento de água e a manutenção dos poços nos reassentamentos, entre outras demandas.
Defesa da Assessoria Técnica Independente
Outra pauta que tomou o dia foi a defesa da Assessoria Técnica Independente. Na reunião com o promotor de justiça e as autoridades municipais, as pessoas atingidas manifestaram preocupação em relação à continuidade da ATI 39 Nacab, considerando o fim do período transitório e que o plano de trabalho da próxima etapa ainda não está aprovado. Elas entregaram ofício reivindicando a permanência da ATI para assessorá-las, e não para prestar serviços à empresa. O promotor ouviu e registrou em ata as manifestações, recebeu o ofício e prometeu encaminhar ao Comitê de Monitoramento, formado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), a Anglo American e a Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais (Cimos – MPMG), que define sobre a contratação das ATIs na região.
A vereadora Dayse Picão também entregou ofício que questiona sobre as famílias atingidas estarem sendo cerceadas de acessar plenamente o direito previsto na Condicionante 39 do licenciamento ambiental do Projeto Minas-Rio da Anglo American, de contratação da Assessoria Técnica Independente para as pessoas atingidas. “As questões não devem ser tratadas em momento de desmobilização da equipe da ATI, sob o grave risco de violação ao direito de participação ampla e informada nas ações de responsabilidade do empreendedor”, diz trecho do ofício assinado pela vereadora.
“Desmobilizar a equipe da ATI neste momento geraria grande transtorno e desequilíbrio de forças. É deixar as comunidades no limbo, silenciar as comunidades”, avaliou a atingida Patrícia Guerra.
“Nós atingidos todos os dias temos que ligar para o Nacab. Eu tenho reunião agendada, quem vai me acompanhar? A Anglo trata o atingido com descaso, não têm um pingo de respeito. Tirar a ATI da gente é como tirar nossos braços e pernas”, desabafou a atingida Ludmila Oliveira Silva.
Aditivo
Durante a reunião, foi recebido comunicado de um aditivo ao contrato do período transitório da ATI 39 Nacab, até o dia 31 de outubro, sem repasse de recurso. Até o final do mês será definido um novo prazo para que o Plano de Trabalho definitivo, entregue pelo Nacab em 28 de julho, seja aprovado pelo Comitê de Monitoramento. Assim, graças à organização popular das comunidades e pessoas atingidas, a ATI 39 Nacab segue em atividade, fazendo o máximo possível para prestar assessoramento de qualidade à todas as pessoas atingidas.
Texto: Patrícia Castanheira
Edição e fotos: Brígida Alvim
Comunicação da ATI 39 Nacab