Em nova decisão sobre a reparação na bacia do rio Paraopeba, o juiz Murilo Silvio de Abreu reafirma decisão importante que havia sido contestada pela Vale
Na última segunda-feira, dia 18 de dezembro, o juiz responsável por processar e julgar a ação coletiva de reparação da bacia do rio Paraopeba, Murilo Silvio de Abreu, publicou uma decisão importante para as pessoas atingidas pelo rompimento da barragem da Vale.
Ela trata de questões relacionadas sobretudo aos direitos individuais homogêneos, quer dizer, sobre a forma como as pessoas poderão ser individualmente indenizadas pelos danos que sofreram em virtude do rompimento da barragem.
Trata também da discussão do ônus da prova. Com base na inversão deste ônus, pretende-se que a Vale seja obrigada a fazer prova de todas as contestações que fizer em relação às afirmações das Instituições de Justiça e de seus assistentes técnicos, bem como da perícia. Ainda, a decisão negou pedido feito pela Associação dos Atingidos por Barragem de Brumadinho e pela Comissão de Atingidos de Três Marias.
Listamos abaixo as principais decisões que estão no documento, que pode ser baixado na intriga aqui:
Sobre o pedido de liquidação coletiva dos direitos individuais homogêneos, o juiz decidiu nos seguintes termos:
- A decisão publicada em 09 de julho de 2019, responsável por condenar a Vale S/A a reparar todos os danos ocasionados pelo rompimento das barragens da Mina do Córrego do Feijão, constitui uma sentença que, de fato, abre espaço para o início da fase de liquidação.
- A liquidação deve ocorrer de maneira coletiva, isto é, dentro das Ações Civis Públicas. Isso porque “a extensão e a complexidade dos efeitos negativos da catástrofe ambiental justificaram e justificam o tratamento coletivo dos direitos individuais homogêneos dela decorrentes.”
- A liquidação coletiva dos danos individuais homogêneos é compreendida como uma fórmula a ser aplicada para determinar o quanto é devido a cada uma das pessoas que tiveram seus direitos individuais violados com o desastre-crime. Neste processo de reparação, tanto as Instituições de Justiça quanto a própria mineradora consideram que essa fórmula é a construção de uma matriz de danos.
- Por meio desta matriz deverão ser levantados e sistematizados os danos a serem indenizados, as formas de comprovação e a quantificação das indenizações.
- As pesquisas desenvolvidas atualmente pela CTC/UFMG são importantes, mas não têm como objetivo a construção de uma matriz de danos. Elas não são suficientes para apurar a demanda pela reparação de todos os danos que cada pessoa atingida sofreu a partir do rompimento das barragens.
- Considerando a insuficiência das pesquisas em execução pelo CTC/UFMG, a primeira fase da liquidação dos danos individuais homogêneos deve envolver a construção de uma matriz de danos de maneira “transparente, conjunta e colaborativa, com todas as partes envolvidas”.
- A matriz de danos deve ser acessível por meio de uma plataforma eletrônica, que possibilite, de forma simplificada, que cada pessoa atingida solicite o pagamento de sua indenização.
- Para iniciar a fase de liquidação e, por consequência, da construção da matriz de danos, foram determinadas as nomeações do Projeto Brumadinho – UFMG, para atuar na qualidade de perito nesta nova fase do processo, e das Assessorias Técnicas Independentes (NACAB, AEDAS e Instituto Guaicuy) para atuarem como assistentes técnicos das Instituições de Justiça.
- Sobre o Projeto Brumadinho – UFMG, foi concedido prazo para que os responsáveis se manifestem sobre o aceite ou não para atuarem como peritos na fase de liquidação.
- Quanto às ATIs, os projetos relativos à fase de liquidação devem ser custeados pela Vale e não estão abrangidos pelo teto de R$ 700 milhões previsto no Acordo Judicial de Reparação.
Outra decisão importante foi sobre a inversão do ônus da prova. O magistrado também acolheu o pedido formulado pelas Instituições de Justiça, determinando a inversão do ônus da prova na fase de liquidação coletiva dos danos individuais homogêneos.
Assim, nesta nova etapa do processo, cabe à Vale “provar as refutações que fizer às afirmações das Instituições de Justiça, da Perícia e das Assessorias Técnicas Independentes que estejam lastreadas em laudos ou relatórios técnicos”, ou, ainda, “na experiência comum subministrada pela observação do que ordinariamente acontece”.
Por fim, a decisão avaliou o pedido de habilitação de amicus curiae formulado pela Associação dos Atingidos pela Barragem de Brumadinho (ABB) e pela Comissão de Atingidos de Três Marias. Este pleito foi indeferido, porque, na visão do magistrado, estas entidades estão vinculadas à defesa dos interesses apenas das pessoas atingidas, enquanto que a função esperada de um amicus curiae em um processo judicial é outra, que não se confunde com o interesse de uma das partes.
Entenda o caso
Em março deste ano, Dr. Murilo Silvio de Abreu havia autorizado o início da liquidação coletiva dos danos individuais homogêneos. Todavia, esta decisão foi recorrida pela Vale, que, dentre outros pontos, alegou não ter sido intimada para se manifestar sobre o pedido de liquidação formulado pelas Instituições de Justiça. Por isso, antes que o recurso fosse julgado, o juiz exerceu o chamado “juízo de retratação”, para revogar sua decisão de março de 2023 e intimar a mineradora para que, então, apresentasse seu posicionamento sobre o tema.
Depois de a Vale ter se manifestado contrária ao pedido de liquidação coletiva dos danos individuais homogêneos, o processo foi enviado para julgamento. Em 18 de dezembro, o juiz Murilo Silvio de Abreu, após analisar os argumentos apresentados por ambas as partes (Instituições de Justiça e Vale), publicou a decisão.