NACAB - Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens

Nacab apresenta estudo sobre desintegração social em Taporôco

Reencontros, partilhas e emoções marcaram a reunião realizada pela ATI 39 Nacab na comunidade Taporôco, em Alvorada de Minas, no dia 14 de maio. Na ocasião, a equipe apresentou os  estudos e o Diagrama Familiar elaborados junto aos moradores, para dar visibilidade aos impactos/danos que ocasionaram a desintegração social da comunidade.

A analista da ATI Nacab, Naiara Santos, iniciou a apresentação recordando as fases iniciais do estudo. Durante o ano passado, foram levantadas informações sobre as famílias que formaram as comunidades de Taporôco e a vizinha Água Santa/Mumbuca, em rodas de conversa e entrevistas com moradores, o que possibilitou a criação de um Diagrama Familiar .

O estudo apontou que com a extinção de Água Santa/Mumbuca e a instalação da barragem de rejeitos do complexo Minas-Rio, há cerca de 15 anos, o reassentamento das famílias para diferentes lugares gerou  uebra de laços familiares e das relações sociais à região. Os moradores de Taporôco, desde então, vêm sofrendo com o  , dificuldades econômicas e danos ambientais contínuos relacionados às atividades minerárias da Anglo American.

Para a reunião de devolutiva do estudo da ATI, foram convidadas pessoas que moravam em Água Santa/Mumbuca. O momento teve reencontros, recordações e contação de histórias entre os participantes. Foram lembradas as festas religiosas, os forrós e a troca de serviços e produtos, tradições muito presentes nesses locais, onde predominavam os laços de parentesco e de solidariedade.

José Rosa Teixeira, reassentado pela Anglo American na Fazenda Tambu, participou do estudo e é uma importante referência, por ter sido o festeiro de Água Santa. Ele foi à reunião em Taporôco com seus filhos Jairo, Vanja e o neto Ravi.

“Aqui mudou muito, abriram estradas. Quando eu vinha, passava por um caminho a cavalo e era tudo pertinho. Eu vinha direto em Taporôco, mas depois que mudamos de Água Santa ficou difícil. A Neuza, que está morando em Itapanhoacanga, eu nem estava reconhecendo. Não tenho como ir lá”
José Rosa Teixeira
Festeiro de Água Santa
“Estou feliz em rever o pessoal! Tenho muitas saudades de Água Santa. Saí de lá a contragosto. Hoje moro em Itapanhoacanga e, mesmo após mais de 10 anos, não tenho todos os documentos da minha casa”,
Neuza Simões Pimenta
Ex-moradora de Água Santa

Peculiaridades e tradições

Algumas características identificadas pelo estudo têm relação com a história da comunidade, seus antepassados e práticas mantidas por várias gerações. Naiara explicou aos moradores: “Alguns costumes foram criados por seus antepassados para lidar com as dificuldades da época e garantir a sobrevivência, como por exemplo as trocas de mercadorias e de alimentos que produziam. Esses costumes, continuados por vocês, podem ser considerados elementos de tradicionalidade”.

Para explicar mais sobre tradicionalidades, a ATI convidou a ex-funcionária Alcione Mendes, que é moradora da comunidade quilombola Buraco, em Conceição do Mato Dentro, e técnica do projeto Quilombo Vivo II, do Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes). Alcione iniciou pedindo que a pessoa mais velha presente na reunião, Eva Expedito Pimenta, de 82 anos, segurasse uma lamparina e compartilhasse um aprendizado que recebeu de seus pais e/ou avós. Enquanto a lamparina passava pelas mãos dos participantes, eram reveladas ricas histórias e saberes ancestrais.

Alcione Mendes fala sobre tradicionalidade

“Preservar os modos de vida tradicionais é fundamental para fortalecer nossa identidade e assegurar a continuidade de nossa cultura. O diagrama familiar construído por vocês junto com a ATI reflete a história e os vínculos das famílias de Taporôco. Eu, como uma mulher quilombola, sinto uma felicidade enorme em ver uma iniciativa assim em uma comunidade. É o primeiro passo de muitas conquistas”, disse Alcione.

Junto com ela, também participou Valderes Quintino Silva, morador do quilombo Queimadas, do Serro, e diretor da Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais (N’Golo). Analisando o diagrama familiar de Água Santa/Mumbuca e Taporôco, Valderes refletiu:

“Se pegarmos a história de formação dos quilombos, tanto aqui em Conceição do Mato Dentro, Alvorada de Minas, Dom Joaquim e Serro, podemos perceber muitas proximidades das famílias. Não sei se tem ligação, mas já ouvi alguns nomes que estão no topo desse diagrama em reuniões nas comunidades quilombolas, como Generosa, Josefina, Ana Jovelina e Jacinta. Com o conhecimento que vamos adquirindo, a gente entende que as famílias vão se formando a partir de um convívio social. Nas comunidades remanescentes de quilombo houve miscigenação, porque o Brasil é um grande quilombo. Mas é importante dizer que a questão quilombola não é só o fato de ser negro, são povos de saberes, culturas e modos de vida peculiares”
Valderes Quintino Silva
diretor da Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais (N’Golo)
Naiara Santos e Zaíne Crispim, analistas da ATI, explicam o Diagrama Familiar

Além de compartilhar lembranças, moradores de Taporôco se queixaram dos impactos negativos da mineração e disseram temer a aprovação da licença prévia para o segundo alteamento da barragem de rejeitos, solicitada pela Anglo American ao estado. Eles relataram que a comunidade é atingida pelo odor da barragem, a poeira e os ruídos constantes de veículos pesados na mina. 

“Em Taporôco vemos o que conhecemos como deslocamento in situ. Significa que mesmo permanecendo no mesmo lugar físico, os moradores de Taporôco perderam todas  as referências que fazem daquele território um lar, como o apoio mútuo, segurança e continuidade das práticas culturais. É como se o lugar estivesse vazio de sentido”, avalia a analista Naiara Santos.

Ouça a reportagem:

Reportagem e fotos: Patrícia Castanheira e Janaíne Ferraz
Edição: Brígida Alvim
Comunicação ATI 39 Nacab