Ameaças às tradições, patrimônio cultural material/imaterial e defesa dos direitos dos PCTs no processo de reparação integral foram debatidos em encontro
Um encontro de diferentes saberes, culturas, gerações e religiões. Com a proposta de unir as tradicionalidades da região 3 da bacia do Rio Paraopeba, no último sábado, 14 de maio, foi realizado o I Encontro de Povos e Comunidades Tradicionais da Região 3, atingidos pelo rompimento da barragem da Vale em 2019, em Brumadinho.
Sediado na Universidade Federal de Viçosa (UFV), campus Florestal, o encontro contou com a presença de 110 representantes de povos e comunidades tradicionais dos dez municípios da região, entre quilombolas, ciganos, de terreiro, indígenas, benzedeiras, guardas de congado, rezadeiras, comunidades extrativistas, celebrantes da folia de reis, marujada, pescadores e pescadoras artesanais. Um caldeirão cultural que jogou luz às demandas desses povos que atualmente resistem à degradação da natureza, à perda do rio, aos seus modos tradicionais de vida e suas práticas cotidianas, provocadas pelo desastre-crime da Vale.
O encontro teve início com um espaço aberto para que as pessoas pudessem trazer um pouco de sua cultura e tradição. Da benção das religiões de matriz africana à sanfona da Folia de Reis, foi momento de saldar e de reforçar a importância de um olhar cuidadoso e específico para os atingimentos desses povos.
Na mesa de abertura, a presidenta do Nacab e gerente geral da ATI Paraopeba, Marília Fontes, destacou o compromisso com as pessoas atingidas e em especial com os povos e comunidades tradicionais. “Sabemos da importância da união na luta por direitos. Aqui eu vejo a unidade na diversidade”, afirmou a gestora.
Durante a manhã, houve um momento formativo em que os participantes puderam conhecer mais sobre as políticas públicas para povos e comunidades tradicionais e questionar o Estado sobre providências para a situação em que vivem após o rompimento da barragem. Com a presença do coordenador de Promoção da Igualdade Racial da Secretaria de Estado Desenvolvimento Social (SEDESE-MG), Clever Alves Machado, foi possível expor questões importantes, como as autodeclarações, reconhecimento, certificação e acesso a direitos já assegurados a esses povos.
Além disso, o assessor de Povos e Comunidades Tradicionais, Cláudio Rodrigues, explica que o principal objetivo do evento foi mobilizar essas comunidades sobre a importância de uma luta conjunta por uma reparação que considere as suas especificidades dentro do processo. Ele ressalta também que esse foi o primeiro de muitos outros momentos formativos, de trocas e de ampliação do debate: “Queremos mobilizar e articular as comunidades para que possamos debater o processo de reparação e despertá-las para os seus direitos enquanto modos de vida específicos”, afirma Cláudio Rodrigues.
Troca de experiências
Foi realizada também uma mesa com trocas de experiências. Nela, a comerciante e uma das referências do Shopping da Minhoca, em Caetanópolis, Marilei Aparecida Alves, relatou a trajetória de lutas, incluindo a busca por reconhecimento como pessoas atingidas pela barragem. Em abril de 2022, a comunidade teve o reconhecimento dos seus danos decorrentes do desastre-crime da Vale, a partir de suas práticas extrativistas, e foi incluída no Programa de Transferência de Renda (PTR).
“Aqui temos o nosso modo de vida e ele foi prejudicado. Lutamos, brigamos e hoje, depois de 3 anos e 3 meses, começamos a receber o PTR. Então eu digo que lutem, andem de mãos dadas com o Nacab e corram atrás do direito de vocês. Não desistam. Convidem as comunidades porque quanto mais unidos estivermos, melhor a gente vai estar”, falou Marilei, convocando as pessoas para seguirem em luta.
Debates temáticos
Na parte da tarde, foram formados seis grupos temáticos contemplando o acordo de reparação, seus anexos e também o mapeamento de danos que tem sido feito pelas assessorias técnicas independentes, junto às pessoas atingidas. Essa parte da programação teve como objetivo nivelar as informações e envolver os participantes no debate e no acompanhamento da implementação das ações do acordo e do processo da reparação.
Para o morador de Retiro dos Moreiras, Aldo Alves da Silva, a troca de informações foi o ganho principal do dia. “Foi um momento importante para ter informações, para saber mais do que está acontecendo. Algumas vezes, em nossos territórios, ficamos afastados do processo e o Nacab pode ajudar muito levando essas informações”, afirmou. Além disso, ele diz ter sido muito importante conhecer outras culturas e povos da Região 3.
Ouça está notícia
Reportagem, fotos e narração: Bárbara Ferreira
Edição de texto: Brígida Alvim e Leonardo Dupin
Vídeo: Grax Medina