Cerca de 100 representantes de Povos e Comunidades Tradicionais se reuniram para alinhar suas indicações de priorizações nas políticas públicas dos municípios atingidos pelo desastre-crime da Vale S.A na bacia do Paraopeba
Do toque do tambor ao maracá Pataxó, regado a músicas, danças e outras manifestações tradicionais, foi realizado o II Encontro de Povos e Comunidades Tradicionais da região 3, no sábado, 6 de agosto, na Universidade Federal de Viçosa, campus Florestal. O evento foi organizado pela Assessoria Técnica Independente Paraopeba – Nacab, em parceria com lideranças dos grupos, e contou com a presença de integrantes de guarda de congado, raizeiros, pescadores tradicionais, povos indígenas e povos de terreiro.
O momento foi de intensa troca cultural e de exercício do respeito à diversidade. E também finalizou o processo de Consulta Popular a Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs), referente ao anexo 1.3 do acordo de reparação, que trata da priorização dos projetos de políticas e serviços públicos nos municípios atingidos pelo desastre-crime da Vale.
Na ocasião, foram reunidas e debatidas as indicações feitas pelos PCTs, por meio da Consulta Popular aplicada orientada pela ATI Paraopeba junto aos grupos, em diversas reuniões ao longo dos 10 municípios que compõem a Região 3 da bacia do Paraopeba: Caetanópolis, Esmeraldas, Florestal, Fortuna de Minas, Papagaios, Pará de Minas, Paraopeba, Pequi, Maravilhas e São José da Varginha.
As áreas Os projetos a serem priorizadas nesses municípios, conforme resultado da Consulta Popular aos PCTs, foram:
1 – Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial Acautelado;
2 – Melhoria no atendimento à saúde básica, saúde de média complexidade e saúde mental;
3 – Melhoria ou Pavimentação das estradas rurais;
4 – Melhoria da Iluminação Pública;
5 – Formações diversas (culturais, artísticas, empreendedores e para trabalhadores rurais).
“É muito importante esse coletivo que estamos fazendo, porque assim juntamos forças. A melhor forma de luta é a união e queremos e esperamos que a Vale pague por esse crime que ela cometeu. Nós de religião de matriz africana que vivemos perto do Paraopeba precisamos muito do rio. Hoje o nosso santo não está lá mais. Temos que continuar de mãos dadas para conquistar a vitória”.
Pai Jardel de Xangô, Centro Religioso de Umbanda Pai Xangô
“Estamos aqui para garantir que os direitos dos povos tradicionais sejam ouvidos e respeitados nesse processo de reparação. E também para fortalecer as diferentes perspectivas e modos de vida dos PCTs. Trabalhando junto com essas comunidades, abre-se um campo de atuação que nos leva à dimensão da salvaguarda do patrimônio cultural e imaterial, que é frontalmente atacada pelo crime da Vale”.
Cláudio Rodrigues, assessor de Povos e Comunidades Tradicionais da ATI Paraopeba Nacab
Por que uma Consulta Popular exclusiva aos PCTs?
Em novembro de 2021, foi realizada pelos compromitentes do acordo de reparação (Ministério Público Federal e Estadual, Defensoria Pública de Minas Gerais e Governo do Estado), uma Consulta Popular aos cidadãos dos municípios atingidos pelo desastre-crime da Vale, para indicação de áreas prioritárias dos projetos de fortalecimento dos serviços públicos. No entanto, na ocasião, não foram consideradas as especificidades dos Povos e Comunidades Tradicionais (PCT) que vivem nos 26 municípios atingidos.
Neste ano, com o objetivo de ouvir os PCTs, o comitê de compromitentes solicitou às ATIs que realizassem até o dia 10 de agosto de 2022 a mesma consulta, porém destinada exclusivamente a esses povos.
Entre julho e agosto de 2022, a ATI Paraopeba Nacab realizou reuniões com os diversos grupos de PCTs nos 10 municípios da Região 3, apresentando-lhes a lista de projetos pré-definidos, ou seja, já avaliados e aprovados no ano passado, após a etapa de envio de propostas. De acordo com as regras colocadas pelos compromitentes, os PCTs puderam indicar cinco temas, três subtemas por cada tema priorizado e um projeto por cada subtema priorizado. Totalizando cinco temas, 15 subtemas e 15 projetos.
Insatisfação
Mesmo tendo participado da Consulta Popular aos PCTs, nos formatos predefinidos pelo Comitê de Compromitentes, ao final do Encontro em Florestal, os presentes decidiram elaborar uma carta-ofício aos compromitentes do Acordo Judicial. O documento relata a insatisfação dos representantes desses povos em relação ao processo de consulta, que não previu as especificidades resguardadas a eles pela legislação brasileira.
“As comunidades se sentiram desrespeitadas por não participarem desde o início e não poderem apresentar projetos que dialoguem com as suas realidades. Nós fechamos o processo com as indicações de projetos, mas também com essa manifestação de insatisfação”, explica a especialista em reparação socioeconômica do Nacab, Leila Regina.
João Carlos, indígena da Aldeia Kamakã Kaêhá Pua, que fica localizada em Esmeraldas, desabafou: “Temos participado do processo junto dos povos tradicionais, mas percebemos que os projetos que foram elaborados lá atrás não contemplam as comunidades tradicionais da região. Nós fizemos uma carta protesto reivindicando que os nossos direitos sejam garantidos”.
Encaminhamento
A ATI Paraopeba Nacab sistematizou as informações coletadas no processo de consulta popular às comunidades e povos tradicionais na Região, para encaminhar para análise do Comitê de Compromitentes do Acordo Judicial de Reparação.
Para acompanhar informações sobre a seleção de projetos e o início das obras relativas ao Anexo I.3 do acordo de reparação, acesse o site: www.mg.gov.br/pro-brumadinho
Reportagem e fotos: Marcio Martins
Edição: Brígida Alvim