NACAB - Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens

Manifestação nas ruas de BH reúne pessoas atingidas de toda a bacia do Paraopeba 

Continuidade do PTR e transparência sobre o uso dos recursos do Acordo foram os temas da agenda, que teve também reuniões com Instituições de Justiça 

A fim de sensibilizar os tribunais, pedir transparência no uso dos recursos e exigir o cumprimento da Política Nacional dos Atingidos por Barragens (PNAB), foi realizado ontem, dia 13 de maio, um importante ato em Belo Horizonte. A manifestação contou com cerca de 1.000 pessoas atingidas das cinco regiões da bacia, que protestaram contra a insuficiência da chamada “reparação, seis anos após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. A continuidade do PTR, ou a criação de outro auxílio emergencial que venha a substituí-lo, também foi um tema central nas reinvindicações, bem como a transparência sobre o uso dos recursos do Acordo. 

“A manutenção [do PTR] é muito importante, porque realmente faz falta pra remédio, faz falta pra comida, faz falta pra tudo, né? Então, muita gente tá passando até necessidade por causa disso. Que ela vai só diminuindo, era um salário-mínimo, já voltou pra metade do salário. Então, é uma injustiça um trem desse.”
Geraldo Ferreira Sobrinho
Morador do Assentamento Roseli Nunes, em Pequi

Patrik Evangelista, representante dos povos de terreiro de Esmeraldas, falou a respeito da importância da mobilização popular e da luta coletiva por direitos

A atividade, organizada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), contou com a participação das ATIs que assessoram as cinco regiões atingidas, e teve início em frente ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais. No local, acontecia uma reunião com a juíza Maria Dolores Cordovil, cujo tema foi a Ação Civil Pública que defende a continuação do Programa de Transferência de Renda.

A reunião foi, também, um momento de escutar as pessoas atingidas. José Amarildo, de Florestal, representou a Região 3. Ele alertou que o fim do PTR, previsto para 2026, significa retirar alimento das pessoas atingidas. “O PTR garante comida na mesa. Cortar pela metade é tirar metade do alimento dos pobres. E quando acabar tudo? Enquanto não houver reparação, tem que existir auxílio emergencial”, destacou.

O gerente jurídico da ATI Paraopeba Nacab, Alexandre Chumbinho, explicou que a ação do MAB que está em análise pela desembargadora faz dois pedidos para solucionar o problema das pessoas: ou a prorrogação do PTR ou a criação de um novo auxílio, com base na PNAB (Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens). Segundo ele, esse novo auxílio tem mais chance de ser aceito pelo Tribunal de Justiça.

“A prorrogação do PTR esbarra na questão da coisa julgada, que a Vale sempre argui em sua defesa. Ocorre que a PNAB prevê um direito novo, que não pode ser confundido com PTR e, portanto, não foi exaurido no Acordo. Esse direito é mitigatório e acessório deve ser garantido até que a parte litigiosa do feito seja resolvida.”
Alexandre Chumbinho
Gerente jurídico da ATI Paraopeba Nacab

Chumbinho lembrou que o próprio TJMG decidiu recentemente que as ATIs devem continuar até que haja reparação dos danos individuais. A mesma lógica deveria valer para esse novo auxílio: ele não substitui o direito de fundo, principal, que é a reparação, ou seja, as indenizações, mas ajuda a reduzir os danos até que ela chegue. O direito acessório segue o principal. Enquanto há direito principal em aberto, que resolvem todos os danos, deve haver direitos acessórios, como as ATIs, o auxílio financeiro, etc, concluiu.

Na ocasião, foi entregue uma nota técnica defendendo esse entendimento. “Já existe jurisprudência que permite esse entendimento. É uma forma de garantir dignidade enquanto a reparação não vem”, concluiu. 

A deputada estadual Bella Gonçalves (PSOL), da Comissão de Direitos Humanos da ALMG, também participou da audiência e fez um alerta: “O maior exemplo de que a reparação não aconteceu é o que a gente vê nas comunidades atingidas: exposição prolongada a metais pesados, piora na saúde e aumento da medicalização.” Para ela, o fim do PTR pode causar uma epidemia de fome na Bacia do Paraopeba.

“As pessoas ainda não recuperaram suas condições de vida. A Vale causou um crime que destruiu o cotidiano da população. E o auxílio emergencial pedido agora vai além do acordo — ele se baseia na lei da PNAB. E a Vale tem que pagar”.
Bella Gonçalves
Deputada Estadual (PSOL) em Minas Gerais

Manifestação movimenta o centro de BH

Na parte da tarde, a manifestação saiu em marcha pela avenida Afonso Pena, no centro da cidade, até chegar à Praça da Estação. Outras reuniões decisivas ocorreram durante o dia, sempre com a participação de representantes das pessoas atingidas das cinco regiões, além de membros das 3 ATIs: com o juiz Murilo Sílvio de Abreu, responsável pelos processos de reparação dos danos decorrentes do rompimento da barragem da Vale, e com o Ministério Público de Minas Gerais, para discutir a ação movida pela manutenção do auxílio emergencial e o início da execução do Anexo 1.1. 

"Antes, a gente trabalhava e ganhava o dinheiro da gente, digno, com o trabalho da gente. Hoje a gente não tem como trabalhar, porque não tem como pescar. Os minhocuçu da beira do rio Paraopeba morreram todos. Que a gente pudesse ter uma vida digna de novo, igual a gente tinha. E nós vamos estar aqui de novo se precisar. Quantas vezes precisar, a gente vai estar caminhando junto.”
Marilene Aparecida de Souza Moreira
Moradora do Quilombo da Pontinha, em Paraopeba

Reunião no MPMG

Como parte dos atos do dia 13 de maio, representantes das cinco regiões atingidas, acompanhados de suas assessorias técnicas e do MAB, participaram de reunião com membros da Defensoria Pública de Minas Gerais e do Ministério Público mineiro. Na ocasião foi entregue uma carta com os principais pontos que as pessoas atingidas reivindicam atenção das Instituições de Justiça. 

Dentre os pontos, destacam-se a falta de participação das pessoas atingidas nas tomadas de decisões para o anexo 1.1, a não aplicação das diretrizes da PEAB e da PNAB para o auxílio emergencial, ausência de prestação de contas e prejuízo financeiro aos projetos, ameaça ao direito à assessoria técnica e o custeio das ATIs com recursos do anexo 1.1.

Patrícia Passarela, da comunidade de Taquaras (Esmeraldas), foi uma das pessoas da Região 3 presentes. Ela lembrou da importância da data, 13 de maio, que marca a abolição da escravidão no Brasil: “Eu imagino que vocês já perceberam a quantidade de negros que temos aqui nessa mesa hoje, o que mostra que continuamos escravizados pelo sistema”, disse, em referência ao fato de que não havia pessoas negras entre os representantes das Instituições de Justiça – por outro lado, todas as pessoas atingidas eram negras.

"Essa escravidão acontece na forma em que temos os nossos direitos tolhidos, como o direito ao PTR, o direito à informação, o direito à reparação de uma forma em geral”
Patrícia Passarela
Moradora da comunidade de Taquaras, em Esmeraldas

Os representantes das IJs falaram sobre as limitações que têm na atuação dentro do acordo, já que as decisões tomadas na criação do documento não podem ser alteradas, como a continuidade do PTR, que tem valor estipulado, previsão de redução e de finalização.

Anexo 1.1

Promotores e defensores ressaltaram que a necessidade de iniciar o anexo 1.1 resultou na destinação de parte dos rendimentos da conta destinada ao anexo, cerca de R$ 62,5 milhões, para o custeio das ATIs. “É importante que vocês saibam que todo o dinheiro é da reparação. Então, caso o valor da cláusula 4.4.11 (os R$ 700 milhões para assessorias, auditorias e peritos) tenha sobra, ela será direcionada para a reparação”, disse Bráulio Santos, da Defensoria.

Em relação à transparência sobre o que já foi gasto destes R$ 700 milhões, as IJs reconhecem a necessidade de uma prestação de contas. “A gente tem uma auditoria e acho que após a reunião a gente pode pedir uma audiência para que isso possa ser colocado enquanto prioridade”, destacou a promotora Shirley Machado.

Ainda de acordo com os membros das IJs, os atingidos poderão analisar o projeto piloto do anexo 1.1, que terá o custo de R$ 300 milhões e será gerido pela Cáritas MG enquanto Entidade Gestora, e identificar os pontos onde houve gastos excessivos no processo de realização.

Texto: Iara Milreu, Márcio Martins e Pedro Silva
Fotos: Iara Milreu, Luís Henrique do Carmo, Márcio Martins e Pedro Silva
Edição: Fabiano Azevedo e Marcos Oliveira