A defensora Carolina Morishita ouviu pessoas atingidas pelo desastre-crime da Vale em quatro municípios assessorados pela ATI Paraopeba Nacab
Nos dias 21, 22 e 23 de setembro, a defensora pública de Minas Gerais, Carolina Morishita, que atua no processo de reparação pelos danos causados pelo desastre-crime da Vale na Bacia do Paraopeba, visitou os municípios de Paraopeba, Fortuna de Minas, São José da Varginha e Esmeraldas.
A atividade foi organizada pela Assessoria Técnica Independente Paraopeba Nacab, que acompanhou todo o trajeto juntamente com a Coordenação e Acompanhamento Metodológico e Finalístico (CAMF), agora realizado pelo Instituto de Pesquisa Lataci.
A visita teve como principal objetivo ouvir das próprias pessoas atingidas as principais demandas que envolvem o processo de reparação. Algumas das questões apontadas estão relacionadas a problemas no recebimento do Programa de Transferência de Renda (PTR) e de demandas emergenciais, dúvidas sobre indenização individual, reparação socioambiental e as demandas específicas dos Povos e Comunidades Tradicionais.
De acordo com a defensora pública, o diálogo com as pessoas atingidas, que detém o conhecimento dos territórios atingidos, é fundamental para avançar na reparação socioambiental.
“Nessa visita eu passei por alguns territórios e o que eu ouvi de mais forte é o entendimento de que a reparação ambiental não é uma reparação separada da reparação socioeconômica, que trata da renda, do trabalho e da saúde. A reparação socioambiental é uma forma das pessoas manterem a sua própria identidade”, destacou Carolina Morishita.
Visita a Paraopeba
No primeiro dia da passagem pela Região 3, a defensora pública Carolina Morishita visitou a Zona Rural de Paraopeba e conversou com trabalhadores e produtores sobre assuntos relacionados à reparação e o papel das Instituições de Justiça. Entre as principais pautas estavam o acesso ao Programa de Transferência de Renda, problemas no recebimento de silagem, documentos comprobatórios e a indenização individual.
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Na sequência, a defensoria visitou o Terreiro de Oxóssi Sultão das Matas, comandado por Pai Riquinho de Oxóssi (Carlos Henrique Moreira), morador do Quilombo da Pontinha, onde conversou sobre temas relacionados a religiões de matriz africana, povos e comunidades tradicionais (PCTs), intolerância religiosa, recuperação socioambiental e a necessidade de se pensar as questões da reparação levando em consideração as especificidades dos PCTs e povos de terreiro.
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“Tá muito difícil pra nós, povos de terreiro, pois não estamos sendo reconhecidos no processo de reparação, já que as casas de axé não estão próximas do rio. Mas é preciso entender que para nós é um todo que se relaciona, como a casa do Pai Tozinho, na parte urbana de Paraopeba, a casa da Mãe Indoloyá, em Esmeraldas. Toda casa de axé, seja umbanda, quimbanda, candomblé, está passando dificuldade e precisamos de um recurso para nos ajudar, pois como não podemos pegar as ervas na margem e nem utilizar o rio em nossos rituais”, desabafou Pai Riquinho.
O assessor de Povos e Comunidades Tradicionais da ATI Paraopeba, Cláudio Rodrigues, destacou a relevância da visita da defensora pública nos espaços dos PCTs. “Na visita ao terreiro do Pai Riquinho ele conseguiu trazer elementos da sua religiosidade e sua prática ancestral, mas mostrou principalmente como se relaciona com a natureza no dia a dia. E isso mostra como as coisas estão conectadas, extrapolando o limite territorial. Não é a distância que vai dizer se um povo de comunidade tradicional é portador do direito”, disse Cláudio.
Visita a Fortuna de Minas e São José da Varginha
Carolina Morishita também esteve nos municípios de Fortuna de Minas e São José da Varginha, onde visitou duas comunidades e uma propriedade atingida. Em Córrego de Areia, em Fortuna de Minas, a comunidade falou sobre o seu atingimento e mostrou a sua vocação para plantação, agricultura familiar, artesanato, entre outras atividades. Isso possibilitou um debate sobre o Anexo I.1 do Acordo Judicial de Reparação, que prevê projetos para as comunidades.
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Além disso, a defensora pública informou que já foi solicitado oficialmente para a Fundação Getúlio Vargas a divulgação das poligonais que definem a abrangência do território que tem direito ao benefício, além de afirmar que isso é uma prioridade.
Para a moradora de Córrego de Areia, Mariely de Fátima Vieira Moreira, de 19 anos, foi um momento muito importante para entender melhor o processo de reparação. “A gente teve a oportunidade de ver de perto pessoas importantes nesse processo, de apresentar os nossos problemas. Isso traz confiança para a gente. Esperamos que tenham mais oportunidades como essa”, afirmou a jovem.
Visita a Esmeraldas
No município de Esmeraldas, a defensora pública iniciou a visita na comunidade de Vista Alegre, onde acolheu demandas emergenciais como o abastecimento de água para consumo humano e dessedentação animal, fornecimento de silagem, áreas cercadas após a enchente, além das pautas relacionadas à reparação ambiental que estão ligadas aos modos de vida das comunidades tradicionais.
A moradora da comunidade de Vista Alegre, Michelly Ribeiro Moraes, relatou que aprendeu a pescar com o pai aos três anos de idade. “Hoje, com os meus 32 anos, eu não consigo passar para o meu filho o que eu aprendi com o meu pai, que é pescador por amor e que aprendeu com o pai dele. Meu pai tem as raízes ligadas a pescaria e tudo que ele gostaria é de continuar essa tradição. Passar para o seu neto, mas não é possível. Gostaria de destacar o amor pela vida que criamos ao redor do Paraopeba”, disse.
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O fechamento da atividade foi no terreiro de candomblé Nzo Atim Kimbé Loyá, liderado pela Mom’etu dya Nkisi Indoloyá que apresentou o espaço para a defensora e as dificuldades de manter a prática religiosa após a contaminação do rio Paraopeba e a natureza em seu entorno.
Texto e fotos: Bárbara Ferreira, Marcio Martins e Marcos Oliveira
Edição: Leonardo Dupin e Raul Gondim