NACAB - Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens

Impactos da mineração são foco de Audiência Pública em Conceição do Mato Dentro

No dia 7 de abril, a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais realizou, a pedido da deputada estadual Bella Gonçalves, audiência pública para debater os impactos da mineração em Conceição do Mato Dentro. A audiência ocorreu na Câmara Municipal, com plenária lotada e presença massiva de moradores dos reassentamentos e das 13 comunidades atingidas pelas atividades minerárias da Anglo American.

Além da deputada, que é membra da comissão e presidiu a sessão, a mesa foi composta por representantes das comunidades atingidas; do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM); do Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (Nacab); do Ministério Público de Minas Gerais; do Instituto Arbo; da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam – Semad MG); da Câmara Municipal de Conceição do Mato Dentro; das prefeituras de Alvorada de Minas e Conceição do Mato Dentro; e da Anglo American.   

Em falas durante a audiência e por meio de cartas abertas entregues à Bella Gonçalves, moradores das comunidades atingidas relataram impactos/danos que têm sofrido desde a implantação do projeto Minas-Rio, da Anglo American, como: a falta de água apropriada para consumo humano; presença de poeira e ruídos; isolamento social; insegurança causada pelo aumento do trânsito de veículos pesados e falta de manutenção das vias; falta de acesso a serviços públicos e problemas estruturais nas casas construídas nos reassentamentos; problemas de saúde física e mental; pressão da mineradora para reassentar famílias de São José do Arrudas após pedido para alteamento da barragem de rejeitos, dentre outros. 

“São 20 anos de atingimento. Os reassentamentos fragmentam as comunidades e os serviços públicos. Ainda há os acionamentos indevido de sirene, em que estamos propondo uma comissão de instauração de inquérito para investigar e punir as empresas responsáveis. São situações desesperadoras de violações de direitos. A gente precisa dar início à reparação!”
Bella Gonçalves
Deputada estadual

Reinvindicações das comunidades

José Miguel Rodrigues, morador do Beco

Os moradores das comunidades Sapo, Turco, Cabeceira do Turco e Beco reivindicam que a Anglo American apresente um programa de negociação com valores atualizados e que atenda a realidade das famílias. Essas comunidades, localizadas próximas da mina e dos diques de contenção de sedimento da mineradora, são atingidas pelas atividades minerárias desde a fase de implantação, há cerca de 17 anos, e cobram condições justas para saírem do território.  

Elizete Pires Sena, de Passa Sete

As comunidades Passa Sete, São José do Jassém, Água Quente e parte do Beco que estão em Zona de Autossalvamento (ZAS) da barragem de rejeitos pediram: “apelamos, tanto para o poder público que participa ativamente do Comitê de Monitoramento do Reassentamento, quanto àqueles que compõem essa mesa que monitorem e contribuam ativamente para solucionar os problemas apresentados, tais como a escolha de um terreno rural de qualidade em Conceição do Mato Dentro, a não fragmentação das comunidades, bem como a não concessão de licenças, mesmo que prévias (LP), para alteamento da barragem antes que o reassentamento dos atingidos das comunidades localizadas na zona de altossalvamento seja concluído”. 

Ludmilla Silva, reassentada no Piraquara

Moradores do reassentamento Piraquara solicitaram que seja concluído e assinado o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o Ministério Público e a mineradora, de forma a assegurar que a mineradora assuma a manutenção da estação de tratamento de água e a solução de problemas no reassentamento, como a regularização fundiária das propriedades, obras de infraestrutura e pavimentação das estradas e demais acessos, construção de uma praça comunitária; disponibilidade de projetos, editais e formações, para restauração dos modos de vida e trabalho da comunidade. 

Adail Ribeiro, atingido de Gondó

Já a comunidade de Gondó, localizada abaixo da Mina, relata impactos e danos que afetam diretamente a qualidade de vida de seus moradores, como alterações na quantidade e na qualidade da água; ruídos, poeira e vibrações provocados por detonações e explosões cotidianas; adoecimento físico e mental; perdas agrícolas e financeiras, entre diversos outros. Em carta aberta, eles solicitam à Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa que sejam feitas as devidas fiscalizações sobre as atividades da Anglo American na região e que medidas efetivas sejam tomadas para a indenização das famílias atingidas, mitigação dos danos já causados e prevenção de novas violações de direitos. 

Posicionamentos e respostas

O promotor de justiça de Conceição do Mato Dentro, Frederico Tavares, que tomou posse do cargo há quatro meses, disse que está tomando conhecimento do histórico das comunidades atingidas, junto com o promotor Caio Dezontini. “Percebi em pouco tempo de comarca que a dor de vocês é muito legítima. É preciso olhar pra trás e aprender com os erros. Vou trabalhar para ouvir vocês e buscar seus direitos em todas as negociações”, disse ele às pessoas atingidas. 

O promotor Caio Dezontini, que foi transferido da Comarca de Conceição do Mato Dentro para a Comarca do Serro, passando a atender as comunidades atingidas de Alvorada de Minas, ressaltou: “Uma luta muito clara que está semanalmente na promotoria de justiça é a reparação integral que vocês têm direito. Está prevista na Política Estadual de Atingidos por Barragem o direito à restituição, a compensação, a reabilitação, a satisfação e a não repetição. Fiz parte de um capítulo dessa história e o que percebi é que a Anglo American não tem garantido a reparação integral dessas famílias. Por que não tem sido cumprida essa reparação e o que isso significa? Significa que a dívida está aumentando, está sendo acumulada. (…) No que compete ao Ministério Público, tudo que nos chega está sendo transformado em inquérito, está sendo documentado e se não houver acordo vai pra justiça. O que não for reparado, que seja compensado. Que todo o sofrimento vivido aqui não seja em vão.” 

A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), representada pela chefe da Unidade Regional de Regularização Ambiental Jequitinhonha, da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), Carla Fernanda de Araújo, respondeu a perguntas e disse que o órgão faz a fiscalização das condicionantes e dos programas oferecidos pela mineradora e que se for preciso irá pedir mudanças e melhorias. Ela informou que o alteamento da barragem não pode ser feito onde há comunidade e que o reassentamento deve ser feito antes da licença de instalação, esclarecendo que a Semad está avaliando no momento a licença prévia.  

Renato Andrade, gerente da Anglo American

A mineradora também teve a oportunidade de responder às manifestações e perguntas e de relatar sobre as ações desenvolvidas para buscar mitigar os danos às comunidades atingidas. Sobre o plano de reassentamento da ZAS, Renato Andrade, gerente da Anglo American, descreveu o processo de construção e disse que existe a hipótese de ser avaliada e discutida no Comitê de Monitoramento a inclusão de famílias e de membros das famílias na área de abrangência. 

Alguns encaminhamentos

Bella Gonçalves propôs requerimentos a serem feitos pela Comissão

Após ouvir todas as falas, a deputada Bella Gonçalves pediu às autoridades presentes maior atenção às comunidades atingidas e que ajudem a fiscalizar o cumprimento das condicionantes ambientais do Licenciamento de operação, por parte da Anglo American, que, segundo ela, não estão sendo cumpridas. Bella comunicou à Carla Fernanda de Araújo que fará requerimento à Feam, para ter acesso aos registros de monitoramentos realizados sobre os licenciamentos da Anglo American. 

Bella sugeriu a criação de um comitê de monitoramento dos reassentamentos antigos, para cobrar a solução dos problemas apresentados. Ela também pediu ao Ministério Público que fique atento aos estudos realizados e ao risco de isolamento das comunidades. 

Em relação à São José do Arrudas, que passará a fazer parte da zona de autossalvamento caso seja aprovado o pedido de licenciamento do 2º alteamento da barragem de rejeitos, a deputada solicitou ao Ministério Público que instaure inquérito para investigar se está havendo prática de assédio por parte da mineradora. Ela lembrou que o artigo 12 da Lei 23.291/2019, Lei Mar de Lama Nunca Mais, proíbe o alteamento de barragem em locais onde exista comunidade na Zona de Autossalvamento (ZAS) e que se o pedido de alteamento feito pela mineradora ainda está sob análise da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), os moradores não deveriam ser abordados a respeito de reassentamento. Bella então disse à representante do estado que irá oficiar a Secretaria de Meio Ambiente (Semad), pedindo que o órgão não viole à Lei Mar de Lama Nunca Mais.  

Reportagem: Patrícia Castanheira e Brígida Alvim 
Fotos: Georgyanne Sena 
Comunicação da ATI 39 Nacab