NACAB - Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens

Justiça suspende ações individuais de reparação

Decisão busca proteger as pessoas atingidas até a conclusão da liquidação coletiva

A liquidação coletiva dos danos individuais homogêneos relacionados ao rompimento ganhou novo impulso hoje, com a decisão do juiz Murilo Silvio de Abreu, responsável pelo processo coletivo, em Brumadinho, pela suspensão de todas as ações relacionadas à busca de reparação quanto aos danos individuais em andamento nas diversas comarcas mineiras.

Como já se sabe, a liquidação coletiva tem tramitado com sucesso no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), após ter sido definida pelo juiz em 18/12/2023. A Vale recorreu dessa decisão e teve seus argumentos rejeitados pelos desembargadores da 18ª Câmara do TJMG em 24/10/2024.

A UFMG, perita do juiz, apresentou nos autos em 18/10/2024 seu planejamento de trabalho, contendo 26 categorias de danos a serem reparados, e as partes (IJs e Vale) já se manifestaram a respeito. Lembrando que as IJs haviam apresentado a matriz de danos das ATIs, contendo 26 categorias de danos e a Vale, além de não concordar com nada a respeito da liquidação coletiva, indicou que só reconhece os danos previstos no TC da Defensoria, que são cerca de 20 categorias.

Ou seja, em breve haverá decisão para estabelecer qual a quantidade e natureza dos danos sofridos pelas pessoas atingidas e resolver esse impasse entre IJs, Vale e UFMG, pois cada um pensa diferente. Quem fará isso será o juiz Murilo, que também deve resolver quais serão os critérios de elegibilidade (quem é atingido?), comprovação (como se comprova os danos?) e os valores (quanto se pagará por cada dano?).

Esse passo é importantíssimo na busca da reparação integral que todos almejam, e o que se espera é que seja superior ao que acontece nas ações individuais. Afinal, na ação coletiva o atingido não está sozinho brigando com a Vale. Ali ele está representado (na verdade o termo técnico correto é substituído) por instituições públicas fortes, além do apoio técnico e jurídico das ATIs, evitando assim que as pessoas atingidas briguem individualmente contra a Vale para obter suas indenizações.

Como de costume, a Vale pode recorrer (ela não cansa de passar vergonha né gente?). Mas os desembargadores que julgarão esse recurso serão os mesmos que julgaram recentemente a decisão que começou a liquidação coletiva e a decisão que reconheceu o papel das ATIs no processo. Eles votaram favoravelmente aos atingidos e às ATIs em ambos os casos. Então vamos torcer para que mantenham essa linha coerente e acertada com a verdadeira justiça que todos merecem.

Ato durante a Audiência sobre os Danos Individuais Homogêneos, no dia 02 de maio de 2024, na porta do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, para reivindicar direitos em relação aos danos individuais homogêneos

Histórico

Um estudo realizado pelo NACAB, com uma amostra representativa de ações individuais que foram para o para o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, revelou que a maioria das pessoas que optaram por ações individuais contra a mineradora obteve resultados desfavoráveis ou valores muito baixos – cerca de 80% dos processos analisados tiveram esses resultados.

O estudo só confirmou o cenário ruim já sentido pelas pessoas que ajuizaram ações individuais contra a Vale. O NACAB tem sido procurado desde muito tempo para estudar formas de evitar o massacre que é litigar contra a Vale, afinal a empresa conta com ilimitados recursos para fazer prevalecer seus interesses na Justiça. Ela tem como contratar os melhores advogados do Brasil, os mais renomados assistentes técnicos, além de elaborar os mais qualificados estudos e laudos. A própria empresa reconheceu essa desigualdade, ao apresentar um recurso tentando encerrar a liquidação coletiva. As pessoas atingidas, via de regra, não têm essas condições, e ainda tiveram diminuídas suas capacidades financeiras pelo próprio rompimento da barragem.

Então o jogo na ação individual fica muito desequilibrado. Não há como ter o que chamamos no Direito, de “paridade de armas” que é um princípio que deve ser observado na justiça brasileira. Pensando nisso é que a suspensão faz sentido, porque dá um fôlego às pessoas para aguardar os resultados do processo coletivo, onde há melhor paridade de armas, e utilizá-lo em sua ação.

O NACAB então elaborou uma nota técnica, que explicava todas essas questões e fundamentava juridicamente com alguns precedentes do STJ. Esse documento foi publicado no site do NACAB e acabou sendo enviado ao MPF por um grupo social que tem muitas ações no território, pedindo que fosse feito algo a respeito.

“Sem paridade de armas não há processo que pare de pé. Fica manco e vai pender sempre para o lado mais forte. A decisão reposiciona a batalha em outra arena mais equilibrada”
Alexandre Chumbinho
Gerência Jurídica da ATI Paraopeba NACAB