NACAB - Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens

Nacab avalia danos da cheia em comunidades de Fortuna de Minas

Continuando o monitoramento dos danos das cheias do rio Paraopeba no início de 2022, a ATI Paraopeba Nacab foi a comunidades de Fortuna de Minas, de 20 a 22 de janeiro. Nesses três dias, duas equipes multidisciplinares se dividiram em visitas a propriedades, diálogos com moradores, marcações de pontos de alagamento e registros fotográficos das áreas comprometidas. Foram levantadas perdas materiais e econômicas, danos estruturais a casas e propriedades, riscos à qualidade da água, ao solo e à saúde. 

“O estudo, que percorre toda a Região 3 entre janeiro e fevereiro, quer dimensionar o alcance das cheias nas comunidades atingidas pelo rompimento da barragem da Vale; identificar as consequências e danos recentes, delimitar os novos limites das cheias na região e depois avaliar de forma comparativamente as cheias de 2020 e 2022”

explica Ramon Neto Rodrigues, especialista socioambiental.

Em Fortuna de Minas, município predominantemente ocupado por sítios e fazendas, muitas das famílias vivem de atividades rurais à beira do rio Paraopeba e foram seriamente atingidas com a enchente deste ano. Contamos aqui algumas das histórias que vimos e ouvimos, acompanhando a equipe de monitoramento de cheias: 

 

Omar Maciel, de Peixe Bravo: “Nunca vi desse jeito, uma enchente deste tamanho e que mata tudo."

Omar Campos Maciel, produtor rural, calcula que perdeu cerca de 60 hectares da área de pastagem de sua propriedade, a Fazenda Café dos Coqueiros, que fica na extensão rural conhecida por Peixe Bravo. Toda a região da várzea foi alagada e a vegetação que a enchente alcançou ficou queimada, sem vida. Omar conta que a água da enchente subiu cerca de cinco metros de altura, o que o obrigou a deslocar todo o gado para a parte alta da fazenda.

“Todo lugar que a água atingiu mata tudo, não sobra nada. Em 20 anos que tenho esta fazenda nunca vi desse jeito, uma enchente deste tamanho e que mata tudo. Mata as árvores, o capim, que vocês estão vendo aí, tudo morto. Primeira vez que eu vejo isso e tudo indica que pode ser o efeito da lama”, descreve. 

Por tradição familiar, ele cria gado para corte e, até o início de janeiro deste ano, tinha 200 cabeças. “Eu perdi dez bois, que desceu no rio abaixo. A enchente veio, eles ficaram ilhados e foram embora. Eu consegui salvar 13 cavalos, mas os bois quando eu vi já tinham ido”, conta o produtor e mostra pelo celular um vídeo em que, de barco, conseguiu direcionar a cavalaria para fora da área alagada. 

Outra perda muito sentida por Omar se deu pelo atingimento de um dos tanques de peixes, onde ele criava 2000 exemplares de espécies como Surubim, Matrinchã e Piau. Ele decidiu construir esse tanque e outro acima, aproveitando o curso de uma mina d’água. Assim, podia contar com água limpa e peixes saudáveis, que planejava comercializar. 

“Meu pensamento era venda, desses peixes maiores, a partir de 3 quilos. A enchente cobriu e transbordou o tanque, levou um bocado de peixes. E agora como que você vai pegar esses que estão aí e consumir? Porque a água do Paraopeba não é própria para consumo, ela veio com essa lama, o que a gente pode fazer? Ai, como é que eu vou tirar?”, lamenta Omar. 

Dona Geralda com o filho Zé, de Três Barras. “Ainda não me recuperei, fiquei muito assustada”, diz ela.

Dona Geraldacomo é conhecida Geralda de Abreu Melo, proprietária e moradora de um sítio em Três Barras há mais de 60 anos, se recupera do susto com as fortes chuvas e do trauma de ter sido retirada de sua casa. Depois de passar um final de semana de medo e aflição, vendo a água tomar seu terreno e aproximar da casa, por questões de segurança, ela, aos 82 anos, foi resgatada de barco a motor por uma equipe do Corpo de Bombeiros, na segunda-feira, 10 de janeiro.

“Com a coisa dessa água vindo, a gente assustou muito, porque já é umas três vezes que ela vem assim, mas eu tenho a impressão de que essa vez foi mais. A gente sentava aqui ó, e via assim, isso tudo era água!”, conta ela, da varanda, apontando de fora a fora do seu quintal.  

No retorno à casa, no dia 20 de janeiro, dona Geralda e o filho Zé, que mora com ela, constataram os diversos danos. “Tornei a perder a cisterna, é a segunda vez. Agora estou só com a água da rua. E graças a Deus, desde o dia que deu a enchente, a água da rua não faltou. O pessoal falou que a gente não pode nunca mais usar da água da cisterna, nem pra molhar a horta”.

O pomar e a horta também foram atingidos e ficaram cobertos pela lama do rio. Olhando de cima (a parte mais baixa continua alagada), Dona Geralda avista a perda de bananeiras, cará, mandioca, ora-pro-nóbis, entre outros alimentos que já estavam no ponto de colher. Parte do terreno era alugada para pasto, para ajudar na renda da família, o que foi impedido com a cheia, pois o gado teve de ser retirado e não pode retornar.  

Dona Geralda não segura as lágrimas ao se lembrar do poço de peixes, que fora um presente deixado por seu filho mais novo, falecido no ano passado por acidente, aos 41 anos de idade. “Ele fez e encheu de peixes. A água da enchente veio e cobriu tudo. Ele deixou pra nós e agora não podemos usar mais”, conta, emocionada.

Iranilton, de Assobio: “Perdemos a melhor área de pastagem, a várzea, que é muito produtiva e não sofre com a seca”.

Iranilton Braga Guimarães, de 52 anos, herdou dos pais o gosto pela produção rural e a Fazenda Bebedouro, em Assobio, às margens do Paraopeba, onde trabalha e reside junto com duas irmãs e um irmão. Há mais de 60 anos, a família mantém ali criação de gado e um pomar, que lhes dá sustento. 

A Fazenda tem 113 hectares. Por causa do rompimento e da enchente do Paraopeba em 2020, 30 hectares foram cercados pela Vale, para tirar o acesso dos animais ao rio e ao solo contaminados. Nessa época, Iranilton teve de deslocar todo seu gado (120 cabeças) para a fazenda de um irmão, em Cordisburgo. Em junho de 2020, ele começou a retornar parte da criação, tendo agora 40 cabeças e alguns bezerros em Assobio.

“Perdemos a melhor área de pastagem, a várzea, que é muito produtiva e não sofre com a seca. A gente plantava e em 15 dias a grama estava cheia. Eu gastava muito pouco com silo, só cerca de 45 dias no ano que eu me preocupava com alimentação do gado. Hoje dependo da silagem que a Vale traz, mas agora, com essa última enchente e a redução ainda maior da área de pastagem, o que recebo já não está sendo suficiente”, conta Iranilton. Ele calcula que a enchente de 2022 tenha avançado cerca de 15 hectares a mais em relação a enchente de 2020, e já prevê o cercamento e inutilização dessa área.  

O rancho, que ele mantinha na beira do rio, ficou coberto de lama, No pomar, foram atingidas diversas espécies de árvores frutíferas: manga, jabuticaba, acerola, uva, abacate, graviola, cultivadas para fornecimento à fábrica de polpas de frutas de Beira Córrego. Outro afetamento da enchente se deu com a cobertura do poço artesiano pela enchente, que deixou a família de Iranilton sem acesso à água potável, tendo de depender da doação de vizinhos. Sobre perspectivas de recuperação, Iranilton diz: “Isso aqui vai custar muito dinheiro. Acho que não vou ter recurso”, suspira, entristecido. 

Produto final

Para cada comissão de atingidos, será produzido um relatório específico do Estudo de cheias de 2022, trazendo informações técnicas sobre a mancha de inundação, principais danos e demandas observadas em campo, além de um parecer técnico com as recomendações emergenciais de reparação. Os relatórios serão enviados às instituições de justiça e órgãos ambientais competentes e também serão considerados para construção da Matriz de Danos. 

Ouça esta notícia:

Reportagem: Brígida Alvim
Edição: Raul Gondim
Fotos: Grax Medina
Narração: Bárbara Ferreira

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